DITADURA DE CORAÇÕES
- Fragmento IV -
[...]Felipe sequer respirava algo que não fosse o perfume da ruiva garota.
Mas aquele romance, de forma iminente, se encontrava com os dias contados. Um
dos companheiros de trabalho do rapaz aproximou-se dele e em voz quase inaudível
disse sem olhá-lo nos olhos, qualquer movimento naqueles dias haveria de ser
vigiado.
- Preciso lhe falar uma coisa, acabo de ouvir do seu tio.
- O que foi?
- Ele comentou de transformar você numa espécie de infiltrado entendeu?
Não ouviu isso da minha boca hein! Nego até morrer...
-Não, não entendi nada. -
balbuciou confuso nas palavras.
- Parece que eles estão arrumando a filha de um político, algo desse
gênero, também não entendi muito bem. A intenção é que você se aproxime dos
tenentistas da Aliança Liberal.
- Espera aí! Está me dizendo que eles estão me arrumando um casamento?!
É isso? - riu debochadamente após a pergunta, não
sendo seguido pelo amigo Joel que permaneceu discreto.
– Obrigada pela discrição Felipe... Isso por que eu disse que é secreto
o que estou falando.
- Ei amigo! Acha mesmo que estamos no século passado? Eu não vou me
submeter a isso, nem com uma arma na minha cabeça!
- Acontece que assim poderá ter acesso aos militares e suas falcatruas.
Sem risco nenhum, depois se separa e pronto. É só uma questão de estratégia,
será que não consegue entender?
-E por que não casam você então, por que justamente eu? Querem minha
cabeça rolando é isso o que vocês querem? – questionou indignado ao amigo.
- Ei! Não olhe para mim, eu só estou transferindo a informação, e saiba
que o escolheram provavelmente por saberem que essa garota já está interessada
em você.
- Meu tio enlouqueceu. Não, só pode ser... Eu não vou aceitar isso, é
sério nem com uma arma apontada na minha testa! Entendeu bem?
- Não comente nada, ele ainda irá falar com você. Por favor, só contei
por sermos amigos.
Felipe ficou mal humorado e parecia não se conter em comentar aquele
absurdo.
Dias depois, em um de seus encontros com Anice, estavam eles como de
costume sob uma árvore, aquela madrugada estava particularmente fria, era Setembro.
A menina deitada com a cabeça no colo de Felipe acariciava sua mão, quando descontente
com o silêncio dele mais profundo que o normal, se levantou:
- Por que está tão calado Felipe?
- É algo muito sério, importante e que venho estendendo demais para
falar, mas que não estou preparado ainda para lhe contar.
- Você disse que sempre confiaria em mim, mas sempre que precisa contar
algo novo teme me falar, não entendo.
- Entenderá quando eu lhe explicar, mas não agora.
E não lhe contaria tão cedo...
Até aquele ano, muitas decisões já haviam sido tomadas, mas uma em especial foi
o estopim para que o Brasil mudasse o rumo de sua história. Desde a década de
vinte, a Aliança Café com Leite
mantinha entre a elite e os militares, certa relação considerável desde que
fossem cumpridos os acordos instituídos entre eles. Este acordo fundamentava-se
em; como as eleições presidenciais eram decididas pela oligarquia, qual possuía
o poder monetário do país e que se resumia na conhecida Aliança Café com Leite,
os presidentes eleitos ou eram mineiros ou paulistas. Foi então, para harmonia
entre os estados, acordado que, quando fosse apresentado o candidato a eleição,
qual era extremamente diferente da atual, aberta e manipulada, sem acesso as
mulheres e analfabetos, esta apresentação fosse através de revezamento. Ora um
candidato mineiro, ora paulista. Porém, neste evento em especial, Washington
Luís causou frisson ao apresentar após a candidatura de Arthur Bernardes
oligarca do café, um também paulista, Júlio Prestes. Isso irritou aos mineiros,
pois seria a vez de um oligarca do leite... Esta notícia foi dada em um grande
banquete, onde estava presente Getúlio Vargas, que era gaúcho, João Pessoa
paraibano, entre outros. Mesmo assim, Vargas se uniu aos demais mineiros e
fundou a “Aliança Libertadora” logo após a candidatura de Prestes. Houve
nas ruas grande mobilização, não apenas o povo ou a elite não paulista marcava
presença, principalmente o conservador
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, presidente de Minas Gerais, mas
também os tenentistas, tidos até então pelos aliancistas como radicais. Tudo
era válido para derrubar Prestes, ou quem sabe um sonho ainda maior...?
Mas a chapa de votação, João Pessoa e Vargas perderam para Júlio, e em
1º de Maio, na casa de Arruda Carneiro, os passos irritados do tenentista
avisavam que algo não ia bem.
- Aconteceu alguma coisa? - questionou a doce menina ao notar a
impaciência do militar.
Anice não teve resposta, seu pai subiu a escadaria secamente e sua mãe
puxou seu braço repreendendo-a:
- Não fique questionando seu pai, toda vez repete isso, sabe que ele não
gosta filha!
- É sobre a eleição? Será que os inimigos do papai ganharam?! - um instante e o insight... - Prestes!
O nome de Prestes foi sussurrado, ela o ligou à Revolução, sua mente mesmo que ainda juvenil,
podia ter inteligência o bastante para saber que precisava rever Felipe. Não
que o fato tão ínfimo do reencontro diante do que haveria de se sobrepor a eles
tivesse algum valor, mas isto Anice e Felipe ainda não imaginavam. Seus
pensamentos suaves e de certa forma calmos sofreram uma ruptura pelo som de um
vaso que se chocava na parede! A voz grave do pai gritava em alto e bom som:
- Fraude! Isso foi uma fraude!
Logo após a sua imagem apareceu
descendo rapidamente pela escadaria, sempre era seguido por sua esposa tentando
acalmá-lo. Anice tremia pela reação nunca tão passional do militar.
– Tenho que ir ao quartel, isso não pode ficar do jeito que está.
- Mas meu querido, já está feito.
– a voz de Carmem era ofuscada pela fúria do esposo que tomou seu
automóvel e partiu dali sem se despedir de ninguém. Na verdade o que José Arruda queria era
localizar Luís Carlos Prestes, achando que ele pudesse ajudar os tenentistas,
afinal ele havia liderado a partir da Coluna Prestes no ano de 1925, cerca de
dois mil homens! Mas Prestes não aceitou participar do levante, muito pelo
contrário, deixou claro que estava contra a Revolução, pois não confiava em Getúlio. Afirmou que o foco de
Vargas não era o futuro do Brasil, e sim, o poder oportunista pela crise do
café. Além disso, o que dificultava o envolvimento era o fato de que Luís
Carlos Prestes na época nem mesmo se encontrava no país, e sim refugiado em
Buenos Aires.
Os tenentistas se encontraram
sozinhos, mas Getúlio não recuou, prosseguiu e paulatinamente todos os
interessados a acabar com o PRP, aderiram a ele, enfim, tudo caminhava para uma
revolução.
O mês de Outubro traria mais novidades no mundo do pai de Anice, e isso
dificultava os encontros entre os amantes, diminuindo a cada dia, até findarem
no inicio deste mês.
Dois de Outubro, o falecimento do General Honório de Lemes traria assunto
para os jornais e rádio. O que desviaria os olhares do país; enquanto escolas dispensavam alunos, e
comércios fechavam mais cedo, com o pesar do óbito do General, Getúlio Vargas e
seus companheiros políticos se aproveitavam da letargia para causar o que eles
mesmos intitularam de “O Grande Levante”.
Escritora Tereza Reche.