sábado, 12 de setembro de 2015


A CULPA É DOS ERITRÓCITOS




Há quem diga que muitas ações são nobres. E sim, são.
Porém nem sempre o nobre é edificante. Quando tomamos uma decisão muitas das vezes não mensuramos a extensão da responsabilidade que adquirimos. Pegamos um cãozinho, um gatinho, uma criança...Tomar a posição de dono, coadjuvante na vida de alguém ou algo que não nos pertence de fato, é profundo demais, muito além do que se imagina. Não, ninguém, nem eu ou você estamos preparados para isso. Até imaginamos estar, mas não estamos. Quando agregamos algo ou alguém ao nosso habitat, isso faz de nós obrigatoriamente responsáveis pela transição que assentará este ser entre nós. Mesmo assim, não ocorrerá... Algo se inverte, sendo o agregado agora visto como prisioneiro de seu próprio destino. A causa do desiquilíbrio e, sobretudo, o responsável por manter a harmonia. Afinal, foi "agraciado" por estar ali... Todos os passos são assistidos atentamente pelos protagonistas, e feito figurante precisa achar seu lugar, ou entender que não há...
Externamente, pode parecer que sim, mas no mais íntimo de cada ser, daquele que agrega e daquele que supostamente é agregado, algo atípico acontece. Todo e qualquer esforço jamais será o bastante, serão apenas desgaste de amores, uns desejados e outros desfeitos durante o processo. A poção para o encantamento é dada erroneamente, pois a receita é outra! É como água em lugar de combustível... Não que seja danoso, mas não é o que fará funcionar. Pense numa peça de quebra-cabeça, um formato diferente de um jogo qualquer... Esta peça jamais se encaixaria, não lhe haveria espaço sequer existente. Estaria a procurar uma vaga, uma reentrância. Com muito custo e exaustão, pensaria estar conectando-se em um dos quatro cantos da tela, mas ainda assim, estaria de fora. Todo agregado familiar é como uma tela desse quebra-cabeça, onde quer que haja espaço, já tem pré-definido sua peça particular, seja antes ou depois esta surgirá e mais uma vez, a peça disforme deixará de ter lugar. Mas há uma névoa de solidão, de dor e ansiedade rodeando-a constantemente, pois ninguém sobrevive bem ou em paz, sem encaixe na tela... Ninguém tem culpa nesse fenômeno, a não ser os eritrócitos auto-imunes. Apenas fazemos juntos, parte dele. Ninguém é obrigado a se dissipar o jogo perfeito para danificar o formato ideal. Mas ninguém, que solitário assiste a tela de fora, confuso por teoricamente fazer parte dela, haverá de sentir-se feliz. Viverá sem pisar o chão pintado na tela, não conseguirá tocá-la de fato... Apenas emitirá mensagens incompreendidas, e receberá as mesmas de lá. Sempre será um corpo estranho, causando reações inflamatórias, sejam estas externizadas ou não... E essa peça, solitária e exausta se arrastará por aquele habitat, sempre buscando migalhas de um amor incompleto, mendicando um espaço que não lhe é de direito. A tela até diz de longe que estes são parte dela, mesmo sabendo que jamais foram... E ambos, distantes e perto, vivem confusos, sem saber como agir diante da ação que, mesmo trazendo tanto desconforto e dor é sim, nobre em sua essência. É bela a história que conto, mesmo em sua extravagante tragédia, ainda assim deve ser bela a história...Talvez para os que estejam bem encaixados, aquecidos pelo contato das peças do lado, achem tais palavras injustas... Mas, peças que se aquecem com os próprios braços, bem sabem o que descrevo, afinal, a culpa é de nossa imunidade, contra tudo aquilo que não faz parte de nós... Aos que se aventuram em agregar, tenho a mais íntima e íntegra admiração. Pois não há herói maior que aquele que acredita na causa fadada ao insucesso. 




























Escritora Tereza Reche