terça-feira, 9 de fevereiro de 2016




DESCULPAR versus PERDOAR



Apesar do uso concomitante entre ambos verbos, as palavras desculpar e perdoar pouco têm em comum. Viciada que sou em Etimologia, pesquisei o significado nato de cada um desses dois verbos para discorrer neste artigo. 

Segundo a etimologia da palavra, PERDÃO vem do Latim PERDONARE, que significa: 

Per (totalidade-completude)
Donare (doação-entrega)

Já a palavra DESCULPAR, vem do Latim EXCUSARE, que significa:

Des/Ex (retirar-tirar fora)
Culpa/Cusare (culpa-acusação-causa-ação legal)

Logo, pode-se afirmar ser muito mais complexo o Perdão que a Desculpa, haja vista que o primeiro refere-se a empatia, já o segundo, fica portanto dependente do anterior. Afinal, se não conseguirmos primeiramente ver de forma empática o outro em sua suposta culpa, não há como, de antemão desculpá-lo. 
Pedir "desculpa" fica claro agora se tratar do "culpado" a clamar pela retirada da culpa que de fato assumia possuir. Ou seja, cabe ao outro, que agora é portador de juízo, doar ou não esse veredito. Retirar a culpa de alguém, desculpar de fato, é perdoar primeiro, doar e entregar ao culpado a sua absolvição, para que este, seja definitivamente extinto da culpa que possuía. 
Porém, é íntegra essa ação e obvia, que se uma vez desculpamos, o perdoado já não é portador da culpa, ou seja, está livre de culpa, esta não mais faz parte de si. É interessante que se observarmos essa afirmativa, aquele que uma vez Perdoa e Desculpa, vier a acusar novamente, torna-se-á agora este culpado de calúnia! Afinal, o perdoado não mais é culpado de nada perante remanescente acusação. 
Se "desculpamos", tiramos a culpa, libertamos o outro, e se faz necessário que ao decidir assumir tal ação, seja esta efetuada com a maturidade e compreensão de tamanho significado que esta recai sobre quem é vítima, tanto quanto quem foi portador do erro.

ESQUECER É NECESSÁRIO?



Primeiramente é de grande valia que compreenda-se de forma definida o significado do esquecimento versus memória. Isso, como também profissional da saúde, penso que seja mais enfático vislumbrar ao ponto de vista neurobiológico e não somente etimológico como fiz acima com os termos Perdão versus Desculpa.  Muitas das vezes o que impede, não o esquecimento, mas o amenizar das cicatrizes causadas por determinada ação, fica por conta da contusão registrada, conhecida como Mágoa. A palavra, que tem origem no latim macula, representa um sentimento de desgosto, pesar, sensação de amargura, tristeza, ressentimento. Desgosto = deixar de gostar, amargura = tornar-se do doce para o amargo e ressentimento = sentir inúmeras vezes , o fato novamente. 

Segundo um artigo, publicado por Mauro Maldonato e Alberto Olivero, na Scientific American Brasil, " uma época de predomínio cultural do paradigma medico- biológico, a memória (mneme) é identificada como um mecanismo cerebral puro, um arquivo das informações do sistema nervoso central; por seu lado, a reminiscência (anamnesis) é igualada a alguma coisa mais complexa e sutil do que o simples registro dos eventos. A reminiscência, de fato, implica uma reflexão sobre o passado, uma evocação das lembranças prazerosas ou dolorosas, sepultadas ou censuradas, que formam a essência de nossa individualidade. Mas, como é evidente, a disponibilidade do arquivo não coincide necessariamente com sua consulta e, portanto, a mera existência de uma lembrança, boa ou deficitária que seja, não se identifica com o princípio de identidade e de unicidade que decorre da individualidade de nossas recordações, conforme considera Oliverio. Nos últimos anos, os neurocientistas descreveram meticulosamente as bases moleculares, os fenômenos sinápticos e as alterações dos circuitos nervosos da memória, tentando preencher – por métodos não invasivos e multiparamétricos das imagens cerebrais – as lacunas explicativas da pesquisa psicológica. O conhecimento detalhado dessas dimensões poderia parecer pouco relevante aos que veem a mente como um conjunto de vivências diferentes e de experiências privadas e indizíveis. Em diferentes situações ligadas a danos e alterações da função nervosa, no entanto, a interpretação neurobiológica é fundamental para a compreensão do que acontece em nossa mente, como são reestruturadas as lembranças, como se dá o esquecimento."



Quando os autores da pesquisa refletem sobre o esquecimento, eles apontam questões sinápticas e acima de tudo provam, neurobiologicamente, que esquecer trata-se de algo puramente biofísico. Etimologicamente esquecer significa traduzir a ideia de que a memória da ofensa foi suprimida da consciência. Entretanto, ao perdoar, o indivíduo não deixa de se lembrar da afronta, e nem mesmo seria fisiologicamente falando natural, embora seja possível relembrar a situação de um modo diferente e menos perturbador. Ainda, segundo as pesquisas neurocientíficas, Até aqui, segundo Maldonato, M. et al; "consideramos a memória sem examinar a influência das emoções em suas esferas psicológicas. Os processos emotivos, segundo influenciam e modulam profundamente a biologia da memória. Na verdade, elas provocam inúmeras modificações vegetativas somáticas, cuja tarefa não é apenas informar o cérebro de que o corpo está emocionado – conferindo precisos matizes a determinadas experiências – mas também consolidar as experiências. Pensemos, em relação a isso, no papel exercido pelas endorfinas (peptídeos de ação analgésica similar à morfina que o cérebro libera em resposta a estímulos de dor ou emotivos) ao alterar a função dos mediadores nervosos que modificam a atividade das sinapses nas redes dos neurônios que registram as experiências. 
As emoções intervêm tanto diretamente nos mecanismos da memória, agindo na bioquímica cerebral, quanto indiretamente, por mensagens que o corpo emocionado envia ao cérebro. Trata-se de evidência já consolidada de que nos animais submetidos a experiências ricas de componentes emocionais a memorização é potencializada, já que os nervos (as fibras do nervo vago) indicam ao cérebro a liberação, em âmbito periférico, de substâncias típicas dos estados emocionais, como a adrenalina, secretada pelas glândulas suprarrenais. Nesse sentido, a biologia da memória não diz respeito apenas àqueles fenômenos neurobiológicos que asseguram a codificação de curto ou longo prazo das experiências, mas também à modulação exercida pelas estruturas nervosas e moléculas vinculadas à emoção.


As relações entre emoção e fatores cognitivos mostram o quanto são complexos os sistemas neurobiológicos responsáveis pelas diferentes dimensões da memória. Há quase meio século, o neurocirurgião americano William Scoville e a neurocientista inglesa Brenda Milner descreveram o caso clínico de um paciente, que mais tarde ficou famoso com suas iniciais, HM, que desde o nascimento padecia de uma grave forma de epilepsia que tornava sua vida bastante penosa. O procedimento neurocirúrgico para remover o tecido nervoso que causava as convulsões teve sucesso. A capacidade de percepção de eventos, raciocínio, fala e de recordar os eventos mais recentes foi conservada, assim como a memória semântica, apenas parcialmente alterada. 
Na íntegra, ao contrário, estava a capacidade de revocar tanto os eventos anteriores à cirurgia, quanto os seguintes a esse procedimento. Tratava-se de uma amnésia episódica tanto retrógrada (passado) quanto anterógrada (experiências seguintes). Em decorrência dos estudos sobre HM e sobre as relações entre hipocampo, lóbulo temporal e memória, as pesquisas passaram a examinar as estruturas nervosas que, se prejudicadas, provocam amnésia. Esses estudos demonstraram que a região temporal está vinculada ao sistema límbico (amígdala e hipocampo) e essa região com o diencéfalo (tálamo) através do fórnix: região temporal, sistema límbico e tálamo formam uma espécie de circuito da memória de que, obviamente, faz parte todo o córtex cerebral, em conexão com o temporal. Todas essas estruturas nervosas estão envolvidas na chamada memória explícita, que implica um reconhecimento consciente das experiências de vida. De fato, sensações e experiências, para serem transformadas em memórias explícitas, devem atravessar uma espécie de funil, a região temporal, e, daí, passando pelo hipocampo e pela amígdala (em que são conotadas por características espaciais e emotivas entre outras) alcançar o diencéfalo (tálamo) onde as experiências são reunidas e registradas sob forma de memórias estáveis nos circuitos cerebrais. Esse circuito córtex temporal-hipocampo-diencéfalo permite conectar as diferentes experiências da vida diária (sensações, imagens mentais, emoções, avaliações e juízos de realidade) para transformá-las em memória episódica, em eventos de nossa história individual. Trata-se de estruturas que desempenham papel também na memória semântica, como quando aprendemos nomes novos, registramos estavelmente números de telefones e aprendemos novos vocábulos. Por isso, conforme a amplitude da lesão nervosa, os pacientes amnésicos têm dificuldade não apenas para formar novas lembranças ou para acessar recordações existentes, mas também para apreender novas experiências."


A visão acima citada, tem tão somente o foco neurobiológico enfatizado, porém, se trouxermos esses fatores intrínsecos  e correlacioná-los ao tema em questão do "Perdoar x Desculpar x Esquecer", segundo 
Enright e North, da perspectiva dessa definição, as emoções positivas neutralizariam algumas emoções negativas em um primeiro momento, o que resulta em um decréscimo das mesmas. Ao longo do tempo, havendo uma diminuição substancial das emoções negativas, emoções positivas poderiam ser então intensificadas. Isso leva a constatar que, Worthington também aborda o perdão como um processo que, para ele, tem início com uma decisão e evolui até uma mudança emocional significativa por parte daquele que sofreu a ofensa. Vale ressaltar, conforme afirma Worthington (2005), que sua visão de perdão decisional foi influenciada por DiBlasio (1998), estudioso que propôs a ideia de “perdão baseado em decisão”, definindo-o como uma mudança na “força de vontade” empreendida pela pessoa ofendida com o objetivo de fazer cessar comportamentos nocivos direcionados ao ofensor. Já do ponto de vista de outros autores que foram pesquisados; como Exline e Baumeister (2001), propõem que, quando uma pessoa age de maneira injusta em relação à outra, essa ação efetivamente cria algo como um débito interpessoal. Segundo eles, o perdão poderia então ser entendido como o cancelamento ou a suspensão desse débito pela pessoa que foi magoada, sendo que essa suspensão poderia dar-se através de canais múltiplos, incluindo aqueles que são cognitivos (por exemplo, decidindo não pensar sobre o acontecido ou relembrar os próprios débitos causados a outros), afetivos (interrompendo sentimentos de raiva e hostilidade em relação ao ofensor), comportamentais (decidindo não vingar-se pela injustiça sofrida) e mesmo espirituais. Contudo, em relação a essa definição de perdão, se pensarmos sobre o cuidado dos autores do campo em diferenciar perdão de formas sinônimas, ela parece conflitar com esse esforço, uma vez que “decidir não pensar sobre o acontecido” pode ser entendido como uma forma de negação. 


Diante de visões controvérsias, o perdão e o ato de desculpar, parece de forma racional e neurobiológica, nada necessariamente interdependente. Haja vista que o fato de decidir por "tirar a culpa" do suposto portador desta, seja indiferente de controlar ações neurofisiológicas ligadas à deterioração de memória, seja esta de curto ou longo prazo. Concluo, ao meu ponto de vista, que diferente do que alguns autores e/ou estudiosos acerca do "É necessário esquecer para perdoar", que esta afirmativa possa ser um equívoco, e que um evento definitivamente e cientificamente, independe do outro. 



Escritora Tereza Reche



Links para pesquisa

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932012000300008

http://www2.uol.com.br/sciam/artigos/o_fascinio_da_memoria.html

http://www.impactro.com.br/diferenca-entre-desculpa-perdao.aspx