quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016


QUANDO A FANTASIA GERA DOR.




Em tempos de tecnologia, pouco espaço na agenda e facilidades sexuais, eis que surgem os amores virtuais. É importante que haja um justo julgamento acerca desse assunto, visto que neste, não há culpados ou inocentes, a não ser o limiar entre o paraíso e o inferno que os separa. Não se trata de nada mais que fantasia predestinada ao fracasso, com raros casos de êxito já vividos. 
Mas afinal, se estatisticamente é muito mais fácil haver insucesso, por que ainda assim caímos nessa armadilha? 
Carência? Ingenuidade? Oportunismo? Aventura inconsequente? 
Parece ser um miscigenado de todos...





O modernismo nos trouxe essa nova maneira de se comunicar, de se relacionar e até mesmo de amar! Segundo um artigo científico "Can love be virtual? Affective relationships through the Internet" da autora Alessandra dos Santos Menezes Dela Coleta, "Tabus como contatos de fundo sexual vão se dissolvendo. Invisíveis, as pessoas se permitem conversar, seduzir, trocar experiências em áreas antes proibidas. É a descoberta de uma nova forma de sexo seguro, em que adolescentes ensaiam os primeiros contatos com o sexo oposto e adultos realizam fantasias sem culpa.





Morais da Rosa (2001), em uma pesquisa acerca de relacionamentos virtuais, pôde constatar que na sala #sexo do programa IRC, dentre os 25 entrevistados, 21 eram do sexo masculino (84%) e 4 do sexo feminino (16%), 100% eram solteiros, 92% afirmaram obter prazer através do sexo virtual, 88% dos entrevistados já tiveram ou gostariam de ter contato real com alguma pessoa com quem já praticaram sexo virtual, 44% praticantes de sexo virtual entrevistados já assumiram ou assumem o papel de sexo oposto nas relações sexuais virtuais, 52% dos entrevistados tinham entre 19 e 26 anos, 56% declararam que mudaram a opção sexual (heterossexual para homossexual, ou vice-versa) a partir do momento em que passaram a acessar as salas de sexo virtual, apesar de declararem não ter esta opção sexual na vida real.



A ilusão de proximidade, de conhecimento e intimidade a despeito das - às vezes, enormes - distâncias geográficas é um dos aspectos negativos da virtualidade. Outro contraponto, e um dos mais sérios, é a fuga da " realidade real" , quando essa não é, ou não está das melhores, o que, muito provavelmente, é parte do que está por trás da tão alardeada adicção na Rede, principalmente nos " chats" . O uso da Internet já foi comparado ao uso da cocaína por Griffiths (citado por Nicolaci-da-Costa, 1998), sendo esta comparação feita em virtude da semelhança dos sintomas apresentados pelos viciados em ambas, como palpitações, tremores, sombras diante dos olhos, confusão mental, como também sintomas fracamente psicóticos com delírios de ciúmes, alucinações e idéias de perseguição.



Já para Castro (1999), os relacionamentos através da Internet produzem uma inversão das relações sociais vistas pela sociologia clássica. Enquanto esta última afirmava que a relação social necessitava da materialidade, o ciberespaço, ao contrário, não condiciona a relação social ao contato face a face, mas a um sentimento coletivo, à lógica do estar-junto, mesmo num espaço desterritorializado. Há um redimensionamento do processo da relação interpessoal e social.
Num primeiro momento, os contatos sociais e interpessoais dão-se em nível virtual, cabendo a cada um dos envolvidos determinar sua continuidade. Num segundo momento, o relacionamento virtual pode, ou não, materializar-se na realidade, concretizando as relações iniciadas no ciberespaço. Os conflitos, as mentiras, os problemas e as decepções quando da relação materializada são de caráter subjetivo, dependendo do usuário e da maneira como ele lida e convive no ciberespaço. O usuário é responsável por suas ações e atitudes na esfera do virtual e posteriormente na realidade.



Para Nicolaci-da-Costa (1998), as possibilidades de comunicação mediadas pelo computador e da troca de informações e prestações de serviços, bem como o número de usuários, que cada vez mais usufruem deste tipo de comunicação, crescem em ritmo acelerado, o que torna importantes as pesquisas com o objetivo de descrever os novos processos de interação social e as possíveis conseqüências, principalmente das salas de " bate-papo eletrônico" .

De acordo com uma ampla pesquisa com duas mil pessoas (CNT/Sensus, 2007) de 195 municípios de 24 estados, o uso da Internet já faz parte do cotidiano de 9,4% da população brasileira, em casa ou no trabalho, significando algo em torno de 14 milhões de usuários. Na pesquisa, constatou-se que 3,2% utilizam o computador com Internet no trabalho e 6,2% em casa. Outros 1,8% dos entrevistados utilizam o computador, mas sem a Internet, no trabalho e 2,1% em casa.


Um grupo de pesquisa da New York University - NYU (McKenna, Green & Gleason, 2002) supunha que as pessoas que podem revelar melhor o seu verdadeiro " eu" para outros na Internet do que no contato face a face seriam mais propensos a formar relacionamentos íntimos on-line e tenderiam a trazer os relacionamentos virtuais para suas vidas reais. Para comprovar essa hipótese, desenvolveram dois estudos sobre o assunto. O primeiro estudo mostrou que aqueles que melhor expressam seu eu verdadeiro na Internet são provavelmente que outros formam relacionamentos íntimos on-line e movem essas amizades para uma base face a face. O segundo estudo revelou que a maioria desses relacionamentos íntimos de Internet ainda estava intacta dois anos depois.



Visando a explorar algumas destas questões, o presente estudo definiu como objetivos: analisar quais são os motivos percebidos pelos usuários da Internet para procurar o relacionamento virtual; identificar o perfil do usuário da sala de bate-papo; verificar o nível de adicção na Internet; analisar se o relacionamento virtual provocou alguma mudança de comportamento observada pelo usuário; verificar se os relacionamentos na Internet são percebidos como satisfatórios".


A autora cita os argumentos muito bem colocados do juíz de Direito Alexandre Rosa, autor do livro "Amante Virtual:  inconsequências..." Segundo o autor, estamos todos juntos e separados ao mesmo tempo: formamos o paradoxo virtual da convivência imediata e do isolamento eterno. A frieza dos contatos mantidos somente por aparelhos/próteses cibernéticas afasta, sonega, simula, o calor humano. Perde-se a referência de quem é o outro! A vertigem do simulacro é plena. Não se sabe o que é real ou virtual. Chega-se a ser o outro de ninguém: da máquina, desse avanço tecnológico performático desconectado de qualquer alteridade. De sorte que, se sentindo relativamente seguro, o indivíduo está coberto pelo véu-virtual e livre para fazer voar sua imaginação, seus sentimentos irrealizáveis no mundo fático, servindo como fuga da realidade, dando condições/ânimo (em muitos casos) para carregar o mundo real. Apimenta o dia-a-dia; dá o molho à realidade. Suborna o prazer com carícias queridas-e-não-queridas advindas de alguém que não sei (nem se deseja de fato) saber quem é e que preenche algo que não-sei-o-que-é (tampouco se deseja saber).







Essa é a situação dos navegantes do espaço virtual, tal qual o homem da vida, rompendo os interditos movido pelo desejo. Realizar suas vontades/desejos, redescobrir a sedução: sentir-se mulher; sentir-se homem. O desejo se mantêm na falta/necessidade do sujeito: no devir da sedução. Aquela sedução aniquilada no relacionamento rotinizado/estabilizado ressurge com todo o vigor no mundo virtual, com seu complexo jogo de signos. No que se refere ao relacionamento virtual em si, pode-se apontar quatro estágios/fases, sem que sejam absolutas. 



1a Fase: Chats de Facebook, Tinder, sites de relacionamentos.
Nesta primeira etapa existe apenas um sujeito: o eu. Esse eu começa a navegar na web sem maiores preocupações nem objetivos específicos. A motivação interna vai desde a curiosidade até ausência afetivo-sentimental, como as verificáveis no filme Mensagem para Você. Nestas ocasiões, quer em chats ou mesmo em sites de relacionamentos pessoais, acontece (via de regra) o primeiro contato motivado por qualquer razão ou pretexto; um nickname que agrada, um nome, um rosto bonito, amigos em comum, um filme, uma música, o acaso/destino: as motivações são inexplicáveis/aleatórias e subjetivas. Nos chats após o primeiro contato normalmente se passa para o “reservado” e a conversa flui naturalmente. Havendo uma certa interação e interesse recíproco pode-se passar para a segunda fase...



2a Fase: E-mail, WhatsApp dentre outros.

Após estabelecido o primeiro contato, passa-se a etapa um pouco mais pessoal, estabelecida ainda sobre a regra de não ser muito específico nas informações, no qual as pessoas trocam impressões pessoais sobre assuntos, se conhecem melhor, buscam saber mais de si e do outro. Como num namoro, o jogo de sedução, de impressionamento e surpresas está acontecendo com um detalhe muito importante: o eu pode desaparecer a qualquer momento. Em suma, nesta fase/etapa, busca-se conhecer – com as limitações próprias – o outro, demonstrando-se aquilo que se é ou se quer ser. É verdade, de outra face, que nem todos querem contatos físicos. Muitos querem apenas uma fuga da realidade, sem necessariamente pretender consumar algo físico-sexual.
É neste instante em que um dos dois irá decerto sofrer as consequências... O outro, todavia, permanece nesse estágio pelos mais variados motivos. Passa-se a ter o amor platônico perfeito eterno: o simulacro: a ilusão gostosa e cômoda, qual desta, não deseja tão cedo se abster.  



3a Fase: Contato pessoal.

A terceira etapa se constitui na apresentação real, por meio de encontros. Normalmente isso acontece depois de muita conversa e interação entre os parceiros virtuais. Avançando-se para o contato pessoal desnudando-se do véu-virtual, abrem-se as possibilidades de interação pessoal. Entretanto, pesquisas confirmam que na maioria das vezes, apenas um dos dois indivíduos envolvidos se encontram de fato dispostos a algo sério e duradouro. 



4a Fase: Passagem para o contato físico.

Muitos dos relacionamentos virtuais não chegam a este estágio, os que chegam possuem, segundo pesquisas estatísticas, baixo percentual de continuidade. Nesta etapa a distância do virtual e do real é superada e os amantes se entregam, finalmente ao seu prazer físico. 
Isso, entretanto, parece quebrar o vínculo idealizado de ambas partes, destruindo as expectativas e projeções estabelecidas um pelo outro.



Segundo Matthew Bambling, psicólogo da Universidade de Tecnologia de Queensland, desilusões amorosas virtuais são sim reais, mesmo sem que a 3ª e 4ª fase seja estabelecida, e tal insucesso pode ser evitado se as pessoas agilizarem encontros “reais” com aqueles que conhecem via internet, antes possível. Ele sugere, por exemplo, o convite para um café depois de alguns poucos e-mails ou conversa em chats trocados, para evitar que os internautas construam uma imagem fantasiosa da outra pessoa, um idealismo sem volta e muitas das vezes que gera dor e sofrimento desnecessários. 

Para Bambling, é fácil investir rapidamente em uma relação baseada no universo virtual, porque os interessados não têm uma ideia completa da pessoa com quem estão teclando. A paixão às vezes, é ainda mais ágil e intensa, pois se baseia exatamente naquilo que desejamos que de fato exista no outro. 
O especialista reconhece ser possível encontrar um parceiro na internet, mas alerta os interessados a ficarem atentos às armadilhas, desculpas, desvios e fugas nas entrelinhas, que mostram claro desinteresse pelo real. “Há definitivamente um sentimento de desinibição on-line. Assim, fica mais fácil enfatizar as qualidades e tentar esconder os defeitos”, disse. “Poucos dirão: sou um alcoólatra de meia idade que já se casou cinco vezes. Me escolha. Em vez disso, tentarão se mostrar como uma boa alternativa.” 
Depois de analisar esses relacionamentos, ele percebeu que as mulheres tendem a ser atraídas por comentários inteligentes. “Você nunca pode achar que as coisas realmente são da maneira que elas parecem ser na internet”, defendeu Bambling. O cérebro nos engana, nos trai, muitas vezes somos o maior vilão dessa tragédia anunciada. 

“O fato de alguém conseguir fazer um comentário esperto ou escrever um e-mail inteligente certamente não significa que essa pessoa pode ser o par perfeito”, continuou. Segundo ele, muitos homens/mulheres utilizam um conceito de “pescaria”, enviando mensagens on-line para diversos perfis, esperando que algum responda. É então que o indivíduo qual está fadado a armadilha, será o fisgado e posteriormente, grande probabilidade haverá de ser este, o traído por este cenário desde o início ilusório. 

Mas há casos, mesmo que raros, onde ambos possuem a fiel intenção de continuidade. Porém, não prevemos o futuro, nesse cenário emocionalmente instável, nos encontramos nadando à esmo. Crendo fielmente no que projetamos e "lemos", e a cada instante postergado para um eventual encontro, enfeitamos ainda mais a projeção, afastando-a de sua fiel realidade. Sim, o amor existe. Sim, ele acontece da maneira mais pura e íntegra de algum dos lados, pois dispensa aparências, sexo e toque. Porém, se apenas um lado estiver nesta vibração, o caos sentimental daquele que ama de fato, será certamente imensurável e comprovadamente mais destruidor que em situações reais. 



Escritora Tereza Reche





Links analisados para preparação deste Artigo:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722008000200010
https://psicologado.com/abordagens/psicanalise/relacionamento-virtual
http://www.psiconlinews.com/2015/08/quando-o-relacionamento-virtual-se-torna-paixao.html