sexta-feira, 31 de julho de 2015

DITADURA DE CORAÇÕES   
-   Fragmento III  -



 [...]- Preciso ir.
- Por quê Felipe? O que aconteceu?              - Neste exato instante sentiu a mão forte do militar buscando seu braço.    
– Quem era aquele moleque?
- Pai, está me machucando! Apenas um amigo do colégio!
- Amigo do colégio? Mas ele sequer tem sua idade! Quem era ele? Diga agora!                
Carmem correu até eles antes que o marido ferisse o braço da filha, apenas ela tinha o dom de acalmar José Arruda num ataque de ciúmes.  
– Vai machuca-la Arruda! Solte-a!
- Ele entrega jornais pai, apenas isso!  
  Exclamou ela em lágrimas desmanchando-se a correr para dentro da casa, a mãe a seguiu, mas não a alcançou.
E naqueles dias, durante a semana que se completou, não viu mais Felipe Russo... Entretanto, numa noite fria de Agosto, ouviu um barulho que a despertou repentinamente pela madrugada. Uma pedra lançada na janela a fez temer por um instante, mas pela fresta pode ver que havia uma bicicleta recostada em uma grande árvore de frente a sua casa. Abriu vagarosamente a janela evitando assim acordar os pais e empregados e finalmente percebeu se tratar de Felipe. Ele acenava com a mão para que descesse e a menina não receou, rompeu as normas, as ordens e dissipou o medo. Vestiu-se e correu para frente da casa permeando a grama curta do jardim, teve o máximo de cuidado para não ser vista e alcançou por fim o portão baixo que cercava a casa ampla do militar.


- Seu louco! O que está fazendo aqui?
- Vim vê-la, seu pai não pode me conhecer e nem ver meu rosto! Mas precisava ver se estava bem.
- Por que se esconde tanto, por que meu pai não pode te ver? Eu preciso saber, por que foge dele desse jeito. Aliás, acho que ando correndo riscos demais sabendo tão pouco de você Felipe.
- Venha comigo, eu vou explicar.  
Num segundo receou, mas por fim subiu confiante na garupa da bicicleta, Felipe emanava algo que a fazia sentir-se assim. Distantes dali, debaixo de uma grande árvore, sentaram-se. Ela esfregava os braços delicados contra o frio, ele retirou sua blusa entregando-a para que se cobrisse.  
– Obrigada. Mas então; conte-me de uma vez,  quem é você? Por que foge desse jeito quando se refere ao meu pai? Qual o problema com ele?
- Eu vou contar-lhe, mas confiante de que não contaria a ninguém. Nem mesmo à sua mãe...
 - Confie em mim Felipe, somos amigos agora.
- Sou filho de jornalista, não posso lhe dizer o nome do meu pai, é muito perigoso, mas ele apoia Júlio Prestes.
- Meu pai odeia Júlio Prestes! - exclamou instantaneamente.
- Eu sei, por isso estou lhe dizendo, somos conhecidos de João Dantas, se o seu pai souber, ou sequer desconfiar que a filha dele mantém contato com o filho de um jornalista de Júlio Prestes, não sei o que poderia acontecer.
- Meu pai é muito rígido Felipe, intolerante, mas ele me ama demais, não faria mal a você por mim.
- Não creio nisso. Não vindo de militares, sinto muito Anice. Não deveria ser tão confiante também, é muito nova ainda para entender.  - houve silêncio, a menina baixou o semblante como que se preparando para revelar algo iminente.
Então, voltando-se com olhar temeroso disse tomada de uma voz quase inaudível.
- Meu pai não deixa ouvir as conversas dele, não fala sobre trabalho, sempre telefona escondido, mas às vezes eu ouço algumas coisas sim...

Um brilho nos olhos de Felipe nasceu naquele momento, ansioso atentou-se para ela.
-Já ouviu? E o que ouve às vezes?
- Várias coisas... Mas muitas delas eu não me lembro, não agora.
- Eu compreendo, mas, por favor, se ouvir algo muito importante, falaria para mim? Se achar que eu mereço é claro.
- Como algo sobre Guerras, Levantes e Revolução?
- Revolução? Vivemos o tempo todo em revolução.  – sorriu sem retorno dela e houve silêncio entre ambos novamente. Isso chamou a atenção de Felipe que voltou-se novamente ainda mais interessado.
- Poderia ser um pouco mais explícita, por favor?
- É que eu ouvi por acaso certa noite, nas reuniões de sempre que existem em casa foi de uma Revolução, que se daria início no Rio Grande do Sul.
- Você tem certeza disso?
- Absoluta, ouvi meu pai falar.
- Mas... Fale-me mais, ou pelo menos nomes, algo mais detalhado e o restante eu procuro por mim mesmo. Olhe, se eu puder confiar em você, estaremos evitando talvez uma guerra, por que obtendo essas informações, as passo ao meu pai e ao meu tio, isso pode gerar uma forma de livrarmos o país de uma situação pior que a que já vivemos.
- Eu não entendo muito que você fala, mas sei, haverá a Revolução no Rio Grande do Sul. Isso eu tenho certeza, pois o que meu pai diz acontece. Acho que dessa vez ele tem muita certeza de que irá acontecer, pois disse que eu e minha mãe iremos para o Rio de Janeiro.
- Então é real?            – resmungou franzindo o cenho.
Num instante, Felipe viu-se diante de uma fonte de informações valiosa, de outro, da mulher que ele não poderia perder de vista jamais! Ainda comovido com a inocência daquela menina frente a uma situação tão devastadora, Felipe se calou e naquele silêncio em que só os olhos deles falavam agora, se aproximou finalmente após tanto receio vagarosamente beijando-a. Ela não recuou...


O frio não estava mais com eles, Anice sentiu algo bem diferente da situação bizarra que ocorrera no jardim da mansão daquele fatídico jantar militar. Houve paz, nada mais que isso, algo pacífico, acolhedor e viu nele o que jamais imaginaria existir.
E em sua mente distante, Felipe segurando o delicado rosto dela, imaginava como faria agora, que se vira totalmente apaixonado pela filha de um participante da Aliança Liberal, justamente sendo este companheiro de seus inimigos.
Naquela madrugada se iniciava uma relação de cumplicidade, companheirismo e amor, porém, qual jamais seria respeitada nem pela sociedade e nem mesmo pelo destino[...].




Escritora T Reche​.

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